Esta publicação também está disponível em:
Já falamos deste tópico neste post. Hoje abordaremos o tema em maiores detalhes. Pacientes com diabetes melito tipo 2 (DM2) e doença cardiovascular estabelecida são um grupo de risco muito elevado de novos eventos. A terapia antidiabética reduz a glicose plasmática e a hemoglobina glicada (HbA1c), e esta redução é importante para a prevenção de eventos microvasculares e progressão da aterosclerose. Entretanto, a redução de eventos cardiovasculares a curto e médio-prazo é menos estabelecida, e novas evidências sugerem que sejam fármaco-específicas e independentes da redução da HbA1c e da HbA1c basal.
1) ANTIDIABÉTICOS COM BENEFÍCIOS EM DESFECHOS CARDIOVASCULAR
Inibidores de SGLT2 (cotransportador sódio-glicose 2):
Empaglifozina: foi avaliada no estudo EMPA-REG, com 7.020 pacientes com DM2 e doença cardiovascular estabelecida (76% DAC), em seguimento de 3.1 anos. Desfecho primário: MACE (morte cardiovascular, infarto do miocárdio e AVC não fatal). Foi observado uma redução de 14% no desfecho primário (NNT = 61), principalmente às custas de redução de morte cardiovascular em 38% (NNT = 45), com impacto em mortalidade por todas as causas (redução de 32%, NNT = 39). Particularmente, houve uma redução expressiva de hospitalização por insuficiência cardíaca (NNT = 72). O principal efeito adverso foi um aumento de infecção genital (NNH = 22).
Canaglifozina: foi avaliada no Programa CANVAS, que incluiu um total de 10.142 pacientes com DM2 e doença cardiovascular estabelecida (66%) ou sob risco de doença cardiovascular, com seguimento médio de 2.4 anos. Desfecho primário: MACE. Houve redução de 14% no desfecho primário (NNT = 72), sem alteração significativa de mortalidade por todas as causas. Também foi observado uma redução de 33% de hospitalização por insuficiência cardíaca (NNT = 104). Em relação a eventos adversos, notou-se um aumento de amputações (NNH = 115) e infecções genitais (NNH = 14). Uma análise de fármaco-vigilância do FDA confirmou o aumento de amputações, mas o estudo OBSERVE-4D, apresentado na ADA 2018, não encontrou aumento de risco.
Aguarda-se a publicação de resultados com a Dapaglifozina (DECLARE-TIMI58) e a Ertuglifozina (VERTIS CV).
Essa classe de medicamentos deve ser usada com cautela em idosos, pelo risco de depleção de volume (principalmente nas doses maiores), e interrompida durante hospitalização para procedimentos cirúrgicos maiores e outras condições de maior gravidade, pelo risco de cetoacidose.
Agonistas do receptor GLP-1 (Glucagon-like peptide)
Liraglutida: avaliada no estudo LEADER, em que a injeção subcutânea diária foi comparada com placebo em 9.340 pacientes com DM2 e doença cardiovascular estabelecida (81%) ou idade > 60 anos e pelo menos mais um fator de risco cardiovascular, em seguimento médio de 3.8 anos. Desfecho primário: MACE. Houve redução de 13% no desfecho primário (NNT = 55), com redução de 22% de morte cardiovascular (NNT = 79) e redução de 15% em morte por todas as causas (NNT = 71). As reações adversas mais importantes foram sintomas gastrointestinais (principalmente náusea, NNH = 79) e cólica biliar (NNT = 85).
Semaglutide: estudo SUSTAIN-6, comparando a injeção subcutânea semanal com placebo em 3.297 pacientes com DM2 com doença cardiovascular estabelecida (59%) ou sob risco, acompanhados por 3.8 anos. Desfecho primário: MACE. Redução do desfecho primário em 26% (NNT = 43), principalmente às custas de redução de AVC (39%, NNT = 97%). Principais reações adversas: sintomas gastrointestinais (NNH = 66) e retinopatia (NNH + 78).
Exenatide de liberação prolongada: estudo EXSCEL, comparando injeção semanal a placebo, com 14.572 pacientes com DM2 (73% dos quais com doença cardiovascular estabelecida). A redução de MACE não ultrapassou o limite da significância estatística, mas uma análise exploratória observou uma redução de 14% em mortalidade por todas as causas (NNT = 100). Houve um maior número de carcinoma papilífero de tireóide no grupo Exenatide (10 vs 4).
Lixisenatide: estudo ELIXA. Não houve benefício cardiovascular.
2) ANTIDIABÉTICOS NEUTROS PARA DESFECHOS CARDIOVASCULARES
Pioglitazona: foi comparada ao placebo em 5.238 pacientes com DM2 e doença cardiovascular estabelecida no estudo PROACTIVE, com duração média do seguimento de 2.8 anos. Não houve diferença no desfecho primário composto incluindo mortalidade por todas as causas, infarto e AVC não-fatais, síndrome coronariana aguda, intervenções coronarianas e doença arterial periférica. Mas, quando olhamos para o desfecho secundário de morte cardiovascular, infarto e AVC não fatal (o “MACE”, que habitualmente é o desfecho primário), encontramos redução de 16% (NNT = 49). Houve aumento de hospitalização por IC em 40% (NNH = 62) e de edema sem insuficiência cardíaca (NNH = 12). A pioglitazona também foi testada no estudo IRIS, que incluiu 3.876 pacientes não-diabéticos, mas com resistência a insulina, e um evento cerebrovascular (AVC ou AIT nos últimos 6 meses). Nesse estudo, com seguimento de 4.8 anos, houve redução de MACE em 24% (NNT = 36) e aumento de edema (NNH = 9.3) e fraturas ósseas (NNH = 53).
Inibidores de DPP4 (Dipeptidil-peptidase 4)
Saxagliptina: foi avaliada no estudo SAVOR-TIMI 53, que incluiu 16.492 pacientes com DM2 e doença cardiovascular estabelecida (78%) ou sob risco. Houve não-inferioridade para o desfecho primário de MACE no seguimento de 2.1 anos, mas acompanha por aumento de hospitalização por IC de 27% (NNH = 140), exclusivamente no primeiro ano de seguimento. Este aumento de risco não foi confirmado em estudos observacionais.
Alogliptina: investigada no estudo EXAMINE, com 5.380 pacientes com DM2 e síndrome coronariana aguda recente, em seguimento de 18 meses. Foi confirmada não inferioridade para o MACE, sem superioridade.
Sitagliptina: analisada no estudo TECOS, com 14.671 pacientes com DM2 e doença cardiovascular estabelecida, em seguimento de 3 anos. Mais uma vez, confirmada não-inferioridade, sem superioridade.
Linagliptina: aguarda publicação do estudo CAROLINA.
3) ANTIDIABÉTICOS COM ESTUDOS GERADORES DE HIPÓTESES QUANTO A BENEFÍCIOS CARDIOVASCULARES
Metformina: Os principais estudos com Metformina são antigos, bem antes da obrigatoriedade dos estudos de segurança cardiovascular do FDA. O resultado mais relevante é de um subgrupo do estudo UKPDS 34 (publicado em 1998), em que a metformina foi comparada com o tratamento convencional (que, à época, consistia de insulina e sulfonilureias) em 735 pacientes obesos com diabetes recém-diagnosticado. Foi observada redução no desfecho primário de complicações relacionadas ao diabetes (um desfecho composto que incluía desde o MACE habitual – morte cardiovascular, infarto e AVC – até complicações como retinopatia e extração de catarata) de 42% para 32%, com seguimento médio de 10 anos. Quando olhamos exclusivamente para desfechos cardiovasculares, houve uma redução de 39% de infarto do miocárdio (NNT = 16), mas sem diferença em AVC ou doença arterial periférica, e de 36% de mortalidade por todas as causas (NNT = 11).
Acarbose: o principal estudo com relação a desfechos cardiovasculares é o STOP-NIDDM, um estudo de 1.429 pacientes com pré-diabetes. Só 5% dos pacientes tinham doença cardiovascular estabelecida. No seguimento de 3.3 anos, houve uma redução de eventos cardiovasculares (desfecho secundário) em 49%, com NNT 40. O perfil de efeitos adversos foi bastante desfavorável, com um NNH de 8 para sintomas gastrointestinais. Os problemas metodológicos do estudo limitam a extrapolação dos resultados.
Sulfonilureias: Embora sejam muito utilizadas, os dados de estudos randomizados com relação a eventos cardiovasculares são muito pobres. De toda forma, promovem ganho de peso e causam hipoglicemia, dois efeitos que estão associados a aumento do risco cardiovascular.
Resumão antidiabéticos:
Estudo/Droga | Follow-Up | Desfecho Primário (NNT) | Redução de Desfechos secundários (NNT) | Redução de Mortalidade por todas as causas (NNT) | Reações adversas (NNH) |
EMPAREG Empaglifozina | 3.1 anos | Sim (61) | Morte cardiovascular (45), Hospitalização por IC (72) | Sim (39) | Infecção genital (22), desidratação, cetoacidose |
CANVAS Canaglifozina | 2.4 anos | Sim (72) | Hospitalização por IC (104) | Não | Amputação (115), Infecção genital (14) |
LEADER Liraglutida | 3.8 anos | Sim (55) | Morte cardiovascular (75) | Sim (71) | Reação cutânea local (233), náusea (79), cólica biliar (85) |
SUSTAIN-6 Semaglutide | 2.1 anos | Sim (45) | AVC não-fatal (79) | Não | Retinopatia (78), Náuseas (66) |
EXSCEL
Exenatide |
3.2 | Não | Não | Em análise exploratória (100) | Carcinoma papilífero de tireoide |
ELIXA Lixisenatide | 2.1 | Não | Não | Não | Náuseas (27) |
PROACTIVE
Pioglitazona |
2.9 | Não | Composto de morte, infarto e AVC não-fatal (49) | Não | Aumento de hospitalização por IC (62), edema sem IC (12) |
SAVOR-TIMI 53
Saxagliptina |
2.1 | Não | Não | Não | Aumento de hospitalização por IC (140) |
EXAMINE
Alogliptina |
2.1 | Não | Não | Não | NR |
TECOS
Sitagliptina |
2.1 | Não | Não | Não | NR |
UKPDS 34
Metformina |
10.7 | Sim (11) | IAM não-fatal (16) | Sim (11) | NR |
STOP-NIDDM
Acarbose |
3.3 | Sim (40) | IAM não-fatal (62) | NR | Efeitos adversos gastrointestinais (8) |